segunda-feira, 23 de abril de 2012

A raça desumana

Me deparei com aquela cena triste; miserável e da mesma forma de quem lê esta narrativa, também não me importa onde nasci, o que faço, meu nome ou qualquer outra definição. Tudo teoria, conceito; qual o valor disso?
O real estava diante de mim e nada pude fazer contra. Não soube distinguir de imediato quem era o bicho, nem quem era gente. Não tinha gente. Aquela criatura de pele negra, nativa e reflexo de sua nação, exalava um odor de carne-viva e estava perto da morte. Carregava em si; sem pernas ou força, a refeição do animal, que tinha mais dignidade que aquela criança; aquele resto de criança.
O clima, o chão, os galhos, as plantas; toda a mãe-natureza estava a favor de seu filho, o abutre, é claro; os humanos deixaram de ser filho da ''mãe'' há muito tempo. E eu ali, com os pés fincados em completa inércia; com alguns sentidos aguçados, para outros esquecidos. Só via e sentia; tudo era silêncio e meu tato fora ignorado. Minha boca tinha se esquecido da saliva e meus dentes trincados com a mesma força com que fechei minha mão em punho; sentia raiva de mim, muita raiva...
Eu enxergava nitidamente um pássaro faminto, acompanhando sua ''criança-almoço'' até a morte; eu vi, eu estava ali, eu nada fiz... Não sabia o que fazer, tinha algo a ser feito? Se não fosse aquela criança, seria outra; ou não fosse aquele animal, existiam vários e até mais fortes e famintos.
Aquele pedaço de gente pagava o preço da minha luxúria, da riqueza de poucos, da falta de ética, falta de compaixão. Foi ali que eu percebi que, assim como a maioria dos humanos, também me faltou humanidade. Eu era a miséria daquela ''coisa''.