segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O amor e o bar

 Eu poderia ter intitulado esse texto de "o amor no bar" mas, apesar de ter visto muito dele, o meu não estava lá. Seria lastimável ser autora de um texto com esse título. Me lembraria sempre da ausência dele e quando alguém viesse comentar a respeito dessa crônica, a referência da minha memória seria justamente essa. Não seria feliz. De todo modo, preciso falar de ontem, no bar. Já repararam quantas histórias começam ali, ou terminam? Ontem vi isso de perto. Nitidamente, eu diria, quando observei um homem maduro, com seus cinquenta e pouco - será? -, conversar sobre a vida com sua amante e amiga. Uma era a amante, a outra, amiga. Sim, eram duas mulheres, uma morena, a outra amarela; na flor da idade. Maduras o bastante para estarem em um bar, talvez nem tanto para aquele coroa. Elas não eram bonitas, nem ele. Mas o desejo estava mais que evidente - dele por elas, claro. Admirei aquele homem por isso. Elas não atraíram o olhar de nenhum outro homem, mas o daquele coroa brilhava sedento. Sorri quando vi a cabeça dele mergulhar no peito da morena. Que imagem doce... Se eu tivesse um cavaquinho e algum talento para tocá-lo, teria feito um samba, aquilo foi inspirador. Depois de alguns minutos fitando o trio, mas sem nota-los, dei por mim e voltei a terra. Me espreguicei e aliviei meus músculos. Aquelas cadeiras de madeira são lindas, rústicas, mas desastrosas para minha coluna. Analisei ao meu redor e percebi os numerosos casais trocando carícias e beijos. A inveja encheu-me o coração e fez-me vulnerável ao ponto do vento medíocre eriçar meus pelos. Fiz do vento o toque dele - era bem mais confortável pensar assim... Um bêbado ria sozinho na mesa do canto e apesar disso, pareceu-me triste. Supus um coração partido; pelo amor, óbvio. Ele enchia o copo, tomava em gole único e batia o copo na mesa enquanto soltava ar pela boca em sinal de ardência do álcool. Aquilo com certeza era amor quebrado. E então, o trio que falei no começo desviou meu olhar do senhor embriagado quando passaram depressa pela porta de saída, o coroa estava elétrico, ansioso e nervoso. As mulheres animadas; só. Estava feliz em ver gente feliz. Mas um outro lado meu não estava. Todos se amavam - mesmo o casal resmungão da mesa ao lado, pois nem ele, nem ela, iam embora. Quando um casal insiste em discutir, ao invés de dar meia volta, é sinal de que ambos sabem da solução ou, no mínimo, querem descobrir; juntos. Sempre juntos. Juntinhos da silva. Exatamente como eu queria estar... Lembro que tomei o último gole do suco e... Não sei quanto tempo mais fiquei ali apreciando o bar e o amor, nem como fui chegar em casa depois. Sei também que sonhei com ele, pois anotei isso antes que voltasse a dormir. Mesmo no meu estado "grogue" da madrugada, sabia que não me lembraria do sonho pela manhã. Afinal, o que é um sonho perto do amor que vi naquele bar?

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A Dona Não Tem Etiqueta da Silva

Nem sempre digo o que penso,
Às vezes só invento,
Acho melhor você saber.

Eu acordo mal humorada,
Mas me esforço e pareço educada,
É melhor te esclarecer.

É que quase nunca me dão abertura
de me parecer comigo mesma.
Mas, não sei, não...
Dizem por aí que a questão é de etiqueta.

Geralmente gosto de falar,
Mas me calo para não incomodar,
Se irritar, você pode dizer.

Eu colocava a cabeça na janela do carro
E então brigaram, alegaram ser arriscado,
Vai dizer que nunca quis fazer?

É que quase sempre me dizem o que posso
e o que não posso ser,
Dizem por aí que a questão é de etiqueta,
Mas um dia vou me exercer.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Mães...

Humrrum... Ta.
Ta, ta...
Caramba, já entendi!!!
Claro que eu grito! Como você espera que eu reaja depois desse blá blá blá?
É blá blá blá sim, você também acha, confesse.
Ta...
Desculpa...
Mas você deveria me pedir desculpa também, não acha?
Certeza?!
Oká.

Terminou?
Então vá, prossiga...
Eu não tô te respondendo!!
Claro que não!! Você quem nasceu no cabresto!!

Não!! Quem decide isso sou eu! Você só tem que me alertar, mas a decisão é minha!
Claro que é! Quem vai pagar minhas contas sou eu, quem vai morrer de fome sou eu!!
Não. Entendo, mas não vou aceitar. Não vou.
Claro que tem essa opção!
Humrrum... Ta... Humrrum...
Pode gritar...
Mais alto...
Quem ta enrugando é você...
Tanto faz.

Sim mas, agora acabou?
Você acha mesmo que eu funciono assim? Não funciono.
Ta, vou ficar calada...
Hum...
Mas... Ta, calei.
...
...
...
...
...
...
Vai falar mais?
...
...
...
...
Mais alguma coisa?
...
...
...
...
Ta, agora posso falar?
...
...
...
...
É...
É.
ÉÉ!!! Não já disse que é?!
Ta.
...
...
Posso falar?
Ta, tudo bem.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

00:30

Os sonhos foram deixados na estrada,
Caminho em direção a realidade,
Que muda a textura do chão,
Num fluxo lento e contínuo atinjo a meia idade.

É visível aos olhos,
Diariamente, a cada fração de segundo,
Minha pele envelhece, enruga, morre,
E minhas costas reclamam do peso de... tudo.

Habitualmente lido com isso,
O tempo me arrasta a força,
Não que deseje retroceder,
Somente cansei de não bancar a boba.

Ao olhar no espelho, vi o reflexo do relógio,
As horas não mentem e já se passaram meia hora,
Meia hora que é meia idade que é meia energia que é meia paciência
Que é meia rasgada, velha, surrada, perdida - bosta!

Mas a verdade é que apesar de morrendo, quero viver,
Mesmo chorando, caindo, sofrendo... - respira....
Pois a verdade me foi revelada:
A causa da morte é a vida.

Faz parte do show nascer, crescer,
É consequência amadurecer, reproduzir,
Está no roteiro envelhecer
E quando der por mim... - morri.

domingo, 8 de setembro de 2013

Tem nome mais feliz que felicidade?

Nem se o dia chorar,
Mamãe resmungar,
Um bom dia ninguém me desejar,
Ou o relógio despertar
E dos compromissos me lembrar;
Não importa, pois hoje estou feliz!

Se a janela não abrir,
O livro terminar, enfim,
Ou da piada eu não poder rir,
Talvez, quem sabe, eu cair
E todo mundo olhar para mim;
Não importa, pois hoje estou feliz!

Ainda que eu seja roubada,
O carro ao passar na poça me deixar ensopada,
Nem se você fizer complô para me ver irritada,
Pode tentar me dar comida estragada,
Me pedir um favor, sem dizer obrigada;
Não importa, pois hoje estou feliz!

Pode me drogar,
Dar murros até ser preciso me internar,
É um favor do acaso o celular pifar,
Esse poeminha pode nem te agradar,
E você, cheio de si, me criticar;
Não importa, pois hoje estou feliz!

Mesmo que eu leve um pé na bunda,
De um cara que tem a cara de uma,
Ou escute conselhos de uma adultera,
Ter que ver toda aquela gente imunda,
E não falo dos mendigos que vivem nas ruas;
Não importa, pois hoje estou feliz!

Querido sutiã, pode apertar, é tudo em vão,
Sim meu vizinho, pode gritar, to aqui comendo sossegada o meu pão,
Todos os ônibus podem entrar em greve, o problema não é meu, não.
Vir o mundo me encharcar de sermão,
Dizer que sou a Dona Ingratidão;
Não importa, pois estou feliz!

E nem juiz,
Meretriz,
Sr. Não Sei O Quê,
Nem mesmo você,
Muda o que escolhi para mim:
Sim, ser feliz!





domingo, 1 de setembro de 2013

Amém?!

Gente sonsa,
Se faz de boba,
Mas de boba não tem nada.
Que diz amém,
Parece ser do bem,
E quando sorri, faz-me parecer ingrata.

Estou farta,
Desses tais,
Que se curvam em fé.
Pelos caminhos,
Me apontam,
Dizem querer me ver de pé.

Eu agradeço,
Toda a dedicação,
Mas sigo sozinha - amém! - com meu próprio sermão.
Me perdoem
O incômodo,
Mas não compactuo com vocês, meus irmãos.

E eu festejo,
Com imensa satisfação,
Faltam só alguns meses para sair da bolha.
Já sinto o vento,
Um pecado, uma garoa,
Um sentimento próprio do mundo; que coisa boa!

Mas agora
O céu festeja,
Mais um filho livrado dessa falsa profecia.
Só alerto,
Em nome de Amor,
Que é preciso dosar, o excesso traz agonia.

Pois bom,
Bom mesmo,
É ser de carne, e osso, e humano.
Já que,
Ser mal,
Falhar, pisar na bola, e xingar, não torna desumano.



Dona de mim

Não acredita?
Mas é verdade,
Sou eu quem decido minha vida.

Quem fecha a janela
Do meu quarto,
Sou eu.
Quem regula,
Para quente, frio, escuro ou claro,
Sou eu.

Quem escolhe,
Se saio ou fico,
Sou eu.
Quem sabe,
Se calo ou irrito,
Sou eu.

Quem opta,
Por negar ou consentir,
Sou eu.
Quem decide,
Falar, pensar ou sentir,
Sou eu.

Quem comanda,
Meu corpo a levantar da cama,
Sou eu.
Quem prefere,
Ficar deitada, só na manha,
Sou eu.

Quem faz,
Meus poeminhas,
Sou eu.
Quem chora,
E se sente sozinha,
Sou eu.

Quem sorri,
Por alegria, piada ou nada,
Sou eu.
Quem se veste,
Ou fica pelada,
Sou eu.

Quem fala,
No meu tom e timbre,
Sou eu.
Quem ama,
Ou finge,
Sou eu.

Quem tem,
O meu ponto de vista,
Sou eu.
Quem concorda,
Em meu nome, com o seu,
Sou eu.

Quem muda,
Minha vida,
Sou eu.
Quem põe,
Ou não a vírgula,
Sou eu.

Quem diz,
Se já acabou ou não, esse poema,
Sou eu.
E eu digo,
Mais uma vez,
Sou eu.

Entendeu?!

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Sou bem assim

Uma rosa,
Mesmo espinhosa,
Talvez um bocado murcha,
Ressecada e até despetalada;
Maltratada, endurecida e calejada,
Continua rosa...
Sou bem assim.

Uma caixa,
De vidro sensível,
Papelão amassado,
Ou metal descascado,
Mesmo vazia, sem uso e visual,
Permanece caixa...
Sou bem assim.

Um animal,
Dócil ou hostil,
Nutrido ou não,
Seja gato, seja cão,
Triste, feliz, esperto ou bobão,
Ainda é animal...
Sou bem assim.

Um relógio,
De pulso, parede, inútil,
Sem ponteiro, sem hora ou minuto,
Adiantado, atrasado, em desuso,
O aspecto dele já é o lucro,
Sempre será relógio...
Sou bem assim.

Uma bola,
Sem pé, sem campo, sem loja,
Vitrine, etiqueta ou moda,
Murcha, cheia, rasgada,
Velha, nova, própria ou emprestada,
É uma bola...
Sou bem assim.

Uma canção,
Sem dó, sol, nem ré,
Nem lá, nem cá, sem lugar,
Ouvida sim ou não,
Tocando ou não um coração,
É canção...
Sou bem assim.

Um amor,
Vazio, cheio, repleto de dor,
Bonito, sofrido, que marcou,
Passou, ficou, enganou,
Magoou, motivou, deserdou,
Sempre é amor...
Sou bem assim.

Um alguém,
Sem ninguém,
Sem rosa, caixa, animal,
Nem relógio, bola ou canção,
Sem amor, sem coração,
É alguém?
Sou bem assim.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Parem o mundo que eu quero dormir.

Estou cansada.
Todos estão,
Mas insistem em trabalhar.

O que não faz nada,
Ta cansado de ver o tempo passar.
E eu to aqui,
Me cansando de me cansar.

-Vem alguém pro meu lugar!

Ta todo mundo zumbi,
Estressado, acabado,
Querendo dormir,
Tudo isso por um salário ordinário.

Se não é salário, é vaga na universidade.
Me digam de onde vem tanta mediocridade!

O dia só tem 24 horas
Mas me tratam como se durasse 30.
Tenho 17 anos
Mas me tratam como se tivesse 30.

-Seja responsável! Honre seus compromissos! Estude mais! Deixa de reclamar! Você não faz nada da vida! Infelizmente é a vida... Lave os pratos! Não vai faltar o inglês! Já faltou demais! Atrasada de novo? Doente de novo? Você não é doente! Só vive doente! Você não tem idade de estar irritada! Você já ta na idade! Passe! Saia! Vá à terapia! Você precisa relaxar! Não vai à lugar nenhum! Você não é mais criança! Vá dormir! Acorde! Arrume seu quarto! Arrume suas coisas! Arrume sua vida! Se arrume! Venha logo! Vá embora! Junte dinheiro! Arrume dinheiro! Ganhe dinheiro! Preciso de dinheiro! Já chega! Ainda nem começou! Só vai piorar... Não faça isso! Releve! Aprenda! Levante! Não caia! Não coma! Coma direito! Você não faz nada direito! Me ajude! Ajude! Se ajude! Você não precisa de ajuda! Se vire! O problema é seu! Você é o problema! Resolva! Sorria! Não chora... Você não pode chorar! Você não tem motivos para chorar! Para de chorar!!! Cala a boca! Menina calada! Seja simpática! Cumprimente! Diga que gostou! Diga sim! Você só diz sim! Aprenda a dizer não!

- Não aguento mais.


domingo, 18 de agosto de 2013

Pra poder dormir

To sem razão,
Sem motivo,
Inspiração ou...
- Sei lá!

Só tô aqui,
Por precisar mesmo,
Questão de saúde, de alma...
De dormir.

É que às vezes,
- Você não entende -
Me bate um desejo
De escrever, sei nem o quê.

Desculpe te fazer perder tempo
Lendo isso aqui.
É tão inútil, não é?
Se eu fosse você, nem terminaria, iria dormir!

Ta, se você insiste
É porque se assemelha à mim.
Você é um desocupado, admite!
Não? Então me diz por que ainda está aqui.

Nem reclama,
Você sabia desde o começo
Que esse poema era um pretexto
Pra resolver um conflito entre eu e minha cama.

Enfim, o sono bateu,
Seu tempo já deu,
E...
- zZzZzZzZzzZzzZZzZzZ...

sábado, 17 de agosto de 2013

Nossa cara

Você sabe bem mais que eu
Que não dá pra enrolar,
Não mais que isso.
Dar um basta ou deixar?

Só - Foi assim que brotou
Que enfim se emaranhou,
Deu um laço e cegou
E agora me desgasto em enxergar.

Todo esse dilema
Que veio me atormentar,
Não te agoniza mais que eu
E só eu pareço aguentar.

Nós, juntos feito nós,
E pra quê essência,
Toda essa magnificência,
Se não sabemos ser, nem desatar?

Eu só quero que não enroles mais.
Te peço até,
Talvez de joelhos;
Decide qual o sentido de nós, darás.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O mágico mundo do (rapaz do cilindro) circo!

"Que bobagem!" - pensei. Minha mãe tinha mesmo que inventar de ir ao circo? Nem quando criança gostava muito. Talvez na primeira vez, ou até na segunda, mas da terceira visita em diante já havia perdido a graça. Tudo bem, depois da aula encontrei com a ''madame'' e fomos ao tal circo. No caminho o tédio já me consumia, preparava minha mente para ver as mesmas coisas, me impressionar - ou não - com os mesmos truques, me irritar com o barulho ensurdecedor do nada inédito globo da morte, fingir achar graça das piadinhas dos palhaços... "Aargh, ninguém merece!". Talvez, para maioria das pessoas eu soasse um bocado sem graça, ranzinza, ou como minha mãe resmungou, uma "velha mal amada". Não é fácil ser obrigada a ir ao circo e ainda ter de lidar com as pieguices de mamãe. E do restante das pessoas que me perguntaram se eu estava gostando - e sincera, respondi que não. Jamais gastaria minhas mentiras num momento débil daquele. Jamais! Sentamos bem à frente, na primeira fileira; tentei - em vão - argumentar.
-Mãe, aqui não, eles vão molhar a gente, cê sabe!
-Deixa de reclamar Gabriella, menina chata! Eu quero aqui, que dá pra ver melhor e eu to mandando você ficar aqui também!
-Mas mãe, meus cadernos! Sabe-se lá o que esse povo vai fazer, não quero correr riscos!
-Cala a boca e senta, menina! Anda, tô mandando!
-Chata!
-Sentou?!
Sim, eu sentei e mais emburrada impossível, diga-se de passagem. Pareceu que todo mundo do trabalho da ''majestade'' resolveu ir ao circo também. Minha mãe tagarelou, me obrigou a sorrir, ser simpática e por ter sido umas das primeiras a chegar, bancou a anfitriã de sei lá o quê, com seus ''Ah, pode sentar viu? Fique à vontade...", sorrindo acolhedora. "Até parece que o circo é dela!" - eu resmungava em mente, ainda abusada com o autoritarismo cujo fui vítima. "Quem dera fosse..." - complementei. Pois bem, as luzes apagaram e a gravação estava no ''play''. "Vamos lá...", pronunciei baixinho, desanimada, enquanto respirei fundo. Quando dei por mim, 37 minutos haviam se passado e eu estava inerte, fitando o palco, tomando minha água pelo canudo. Eu não lembrava de absolutamente nada, nem um tico das apresentações que já tinham acontecido. "Nossa, que show!" - pensei ironicamente. Até que, sem muito esforço, finalmente algo que prendeu a atenção, ele entrou glorioso - nem tanto assim -, com suas vestes "artísticas" que propositalmente deixavam seu peitoral à mostra. Sim, aquela era a atração principal do circo, para mim. Na verdade, só haveria ele, em todo o espetáculo, só ele. Seu rosto era afilado, de traços sutis, visivelmente másculos. Era encantador... "Bem que ele podia ser um palhaço e me chamar para uma dessas participações engraçadinhas no palco." - pensei com pesar. Ele não era palhaço, ainda que me fizesse sorrir daquele jeito, ele não era um palhaço. Na verdade, ele era sim; um palhaço, por não ser um palhaço. "Palhaço!" - xinguei-o baixinho. Sempre odiei palhaços. Chega dessa palavra! O rapaz faria um número de equilíbrio, a assistente preparou tudo, enquanto ele exibiu-se com seu corpo que, com certeza, já era desequilibrante, sorte minha estar sentada. Ele mostrou sua habilidade com uns cilindros empilhados que, francamente, me lixei. Eu reparei em seus músculos, muito mais atraentes. Eu não costumo olhar para esses aspectos, na verdade sempre rejeitei, mas aquele ambiente, o humor, o tédio... Eram grandes forças vetores, que apontaram para ele! "Nossa, que show!" - repeti fervorosa o pensamento. Fuzilei seu rosto, lindo, angelical, numa expressão de sufoco, concentrando-se em respirar. Ele era tão bonito!!!!! Foi paixão, não à primeira vista, mas durante muitas olhadas. Depois que ele saiu de cena, o sentimento foi embora junto. "Tô pronta pra outra!" - pensei. Sem ressentimentos voltei à sugar a água pelo canudo e fitar o palco, enxergando o vazio. Dei adeus à magia do circo...

domingo, 11 de agosto de 2013

Faz uma falta...

Aqui,
Bem aqui...
Ta vazio demais.
Ta frio e agonizante.
Só quero paz.

Você
Já viu,
Uma criança sofrer?
E mesmo madura,
Chorar sem entender.

Talvez,
Só talvez.
A criança cresceu.
E atrofiada tenta,
Corrigir os erros teus.

Ai,
Meu pai...
Você não percebeu.
Que o sermão dito,
Nunca foi papel teu.

Depois,
Bem depois,
Eu tento te convencer
Que tudo o que eu quero
É caminhar com você.

Me diz
Por que
Fostes tão ausente assim.
E a mágoa ainda dói,
Bem aqui...

Ali,
Logo em frente,
Num futuro não distante,
Creio que a ferida seque
E me enxergues um instante.

E eu sei
Sim, eu sei.
Que esse instante já passou,
Mas ainda há muito tempo
Pra reatar o que nunca acabou.

Pois,
Você
Se exercerá
E nada nesse mundo
Me fará deixar de te amar.

Serei,
Exercerei,
A criança, fruto de ti
E ao pegar-me em seu colo
Não me deixarás mais ir...

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Abobalhada

Quando eu te vejo...
- Oh my god
Dá um aperto no meu peito.

E não tem jeito,
Bambeio,
Se brincar até pestanejo.

É um desespero
Tremendo
Quando detecto o seu cheiro.

Daí te encaro,
Reparo,
Imagino mil acasos...

Que me façam,
Sem querer,
Me jogar bem nos teus braços.

Você percebe,
E reflete
O sol quando me sorri.

Toda vermelha
Disfarço
Me desespero: o que faço?!

E aí, então
Percebo
Que sou uma bobalhona.
Sim, eu sou
- Eu sei
Uma grande bobalhona.

Mas não é
Minha culpa
Me render ao seu encanto.

É inevitável
Querer,
Mesmo que seja um engano.

Daí tropeço
Por acaso.
Juro, foi mesmo um acaso.

E caio
- Me derreto -
No seu melhor abraço.

E... Dã!
É claro,
Como uma louca te agarro.

Me aproveito
Mesmo
E isso deixo muito claro.

Que talvez,
Quem sabe,
Assim você me repare.

E perceba
Que você
Fica lindo assim, também:

Com alguém
Como eu
Bem colada a ti, meu bem.

E aí, então
Percebo
Que sou uma bobalhona.
Sim, eu sou
- Eu sei
Uma grande bobalhona.

Mas e daí?
O que tem
Gostar um bocado, assim?

Só quero que
Você
Seja um bobo with me.

domingo, 21 de julho de 2013

Não petrifique

O cimento,é cimento. Não importa se mole ou endurecido, não importa. Mas sábio é aquele que retira-se do cimento enquanto mole, bem-aventurado o que ousa e desteme inovações. Sair da própria solidez e experimentar a fluidez, ainda que arriscada. O homem precisa se locomover, ou atrofiará. Caminhar é preciso, ter fé é essencial. Pois fé é trilhar caminhos desconhecidos, incertos, repleto de alterações; a fé necessita amadurecer, sempre e mais. Ruim é acomodar-se, pisar no cimento e ali residir, enraizar, até o cimento se concretizar, sem opção de sair, por medo. Medo de questionar, discordar, não agradar... Medo e fé são caminhos opostos, não dá para unir o inútil ao agradável. Limpe seus pés, antes que o cimento e o medo te façam prisioneiro.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Mais uma vez, Renato, mais uma!

"Mas é claro que o sol vai voltar amanhã, mais uma vez, eu sei..." Será mesmo Renato? - A menina se perguntava em pensamento; até onde aquilo o que ouvia era verdade e quais fundamentos teriam por trás. Sentada na cadeira de um ônibus, curtindo seu som pelo celular e sem o fone de ouvido... Percebia que a música atraia os olhares dos demais passageiros, uns franziam a testa como quem acha uma completa falta de educação compartilhar o gosto musical assim, outros cantavam mudo e um bocado sequer ouvia. "Danem-se.'', pensou. Afinal, tinha concluído que todos precisavam daquela letra, o alerta de Renato, gostassem ou não. "Nem todo mundo suporta a verdade...", justificou. "Espera, que o sol já vem..." cantava Renato para todos ao redor, a menina realmente acreditava estar ajudando as pessoas, motivando-as, talvez. E Renato: "Se quiser alguém em que confiar, confie em si mesmo."... A menina cada vez mais tomava para si aquelas palavras. Olhava pela janela mas estava cega, nem a brisa sentia, as pessoas ao redor foram esquecidas... "Quem acredita sempre alcança, quem acredita sempre alcança, quem acredita sempre alcança, quem acredita sempre alcança..." -A mocinha pode abrir mais a janela, por favor? Ta um calor aqui, nossa, não tô aguentando... O rapaz fardado lhe falou, despertando-a de seu mundinho com cutucadas irritantes. Odiava ser cutucada. -Claro... Ela tentou ser educada, apesar do cutuque. Abriu a janela "P da vida", como ela mesma classificou em pensamento. Observou as pessoas ali, espremidas, mortas apesar de vivas, cinzas... "Que lamentável!", preocupou-se. Quando deu por si, a música já havia parado. "Mais uma, pra quem ainda não se convenceu..." e deu o play, de novo... "Mas é claro que o sol vai voltar amanhã, mais uma vez, eu sei...", cantarolava Renato, no mesmo tom, pela milésima vez. Uns já não aguentavam mais a mesma música, mas a menina dizia ser "um mal necessário" e voltou a fitar a janela, sem nada enxergar, buscando seu casulo, mais uma vez...

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Verbos; no pretérito imperfeito

  A menina não tinha idade para ser chamada assim, mas eu, quem vos escrevo, chamo. Ela estava sentada, no canto do jardim... Você, leitor, poderia imaginar que a morte se dissiparia num jardim? Por entre alguns poucos arbustos, no canto mais discreto, escondido e maltratado do imenso jardim. Um simples, mas atraente jardim. Jardim, jardim... Jar-dim... A menina gostava dessa palavra, lhe transmitia paz. Paz... Esquisito... A grama pinicava, seu short deixava metade da coxa de fora e podia sentir as formigas escalando suas pernas, algumas mais audaciosas mordiam e faziam a coitada se agoniar de tanta coceira. Maldade! Irritada, a garota debatia-se e esmagava satisfeita formiga por formiga que ousasse caminhar em seu corpo! ''Arrgh'' grunhia... Depois de mais calma, a menina passeava a mão na grama, era gostoso sentir cócegas na palma. O passear das mãos ganhou velocidade e força, agora tentava arrancar do chão cada mato que tinha ali, a cócega transformou-se em arranhão e gostava da dor, não por ser masoquista, mas por admitir que vez ou outra sentia desejo de dor para justificar a raiva que havia dentro de si, arrastava a terra, formava um buraco circular à sua volta, como dois parênteses e ela no meio. Sentiu-se afundando... Como se cavasse sua cova... E não era isso mesmo? Em anos - uma vida, diria - era só isso que tinha feito: cavar a própria cova. Era melancólica a cena, narrá-la então, é ainda pior! Mas nada é mais angustiante que estar ali, no buraco. E quando digo-lhe buraco, não me refiro ao local, mas ao estado de espírito, de alma, de mente, de pele, de tudo. Ela tinha muitos... E tentava tapá-los com peças que não encaixavam. Era mirabolante! A menina, sentia as peças saírem, aquelas peças que ela tanto arquitetou e moldou para que de alguma forma dessem para o gasto... As peças caíram no chão e agora ela vazava. Sua alma fugia, suas lágrimas eram sangue, sua visão se embaçava em meio ao vermelho, seu coração acelerava e doía... A menina gritava, assustada, endemoniada talvez, mas gritava desesperada, um agudo de vogais que se variavam em meio aos acentos. ''Aaaaar... Ãããã... Ó.. Óóór... Aaaaah... Uuhrr...Aar... ''. Esforçava-se em respirar, seus olhos reviravam de tamanha dor, mas gostava. Sabia que, em pouco findaria. Era aliviante a ideia de morrer. Em meio a toda confusão de seus movimentos, bateu o punho no espinho de uma roseira pequena e murcha que estava à sua trás esquerda e viu mais sangue, dessa vez pingava pouco a pouco, até criar uma pequena poça no chão e estancar-se a ferida. Não contentou-se! Se pôs a cortar-se nos espinhos que a natureza lhe proporcionara, ferir-se - já era habituada a tal procedimento - e sangrar mais. Batia com força nos galhos espinhentos, a dor tinia e a energia se esgotara... Desmaiou... Estava alí, estendida e desacordada, suja de sangue e terra, suada, abatida e entre parênteses.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Poema sem graça

Nunca mais escrevi...
Nem sobre você,
Nem sobre mim.
E isso não é um desabafo.
- Ou será que sim?
Mas a vida me ensinou
E ainda bem que foi assim,
Descobri que nem sempre se fala
Sobre o que se fala.
Só às vezes procede assim.
Talvez, quando eu disser sim,
Eu diga não.
Assim como você diz que é,
Mas nunca foi meu, não.
E eu to aqui,
Cheia de verso para escrever,
Mas cadê inspiração?
Cadê você?
Cadê...?
Olha quanto espaço vazio
Que eu preciso preencher!
Sou o que escrevo?
Tomara que não...
E se sou,
Deixarei de ser!
Sei que ta confuso,
Desorganizado,
Mas essa sou eu
- E mais outros buracos.
Sei também que
Desde que fugiu,
A graça anda por aí
Sem rumo,
Perdida - Coitada!
Na expectativa de também,
Quem sabe,
Um dia ser atrapalhada.
Pensei em mudar,
Mas deixa assim...
Mais um poeminha
Escrito para você.
Só você vai entender
Mas deixa assim...

sábado, 1 de junho de 2013

Dessa vez não.

Eu preciso mudar isso aqui,
Pular você,
Te tirar daqui.
Mas ta gravado,
Todo mundo já percebeu
Que é de você
Que eu sempre falo.
Por mais que eu lute,
Me afaste,
Bambeie,
Fraqueje,
Desista e...
Te abrace.
Viu só?
Não era para ser sobre você,
Tinha prometido não ser,
Mas volta para o começo e lê!
Viu só?
Sem querer falei - de novo - de você.
Tinha prometido não ser.
Mas dessa vez não.
Mas só dessa vez!
- Não pode ser...

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Achei

No canto do armário,
No rabisco do caderno,
No bilhete escrito em quatro versos...
Achei.

No bolso da calça,
No cheiro da roupa suja,
No meu reflexo nua...
Achei.

Debaixo do travesseiro,
No movimento do ponteiro,
No laço do meu cabelo...
Achei.

No arranhão da minha mão,
No sangrar do coração,
Nesses versos e na confusão...
Achei.

No azul do céu,
No desenho do papel,
Nos teus olhos...
Achei.

Na morte e na vida,
Na dor e na alegria,
Na eternidade...
Achei.

Achei que nunca,
Nunca ia te perder,
E no entanto...
Achei.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Assim seja

Quero meus dedos
Penetrando os fios do teu cabelo...
Quero o ardor,
Perseguir o torpor máximo do teu sabor...
Quero prolongar
Essa alegria misturada a agonia e me deliciar.

Quero o cheirar,
Tua pele morna e macia tocar
Quero dizer:
Todo esse medo... Esquece. Vamos correr!
Quero você
E seja ontem ou amanhã, deixa ser.

Quero teu beijo
Conduzindo meu corpo e vestes ao desfecho
Quero a clichê flor
Cruzada ao teu amedrontado amor.
Quero muito sarar
Essa ferida que emerge em sangue o coração sedento em pulsar

Quero me encostar
Grudar você numa parede e, simples, me entranhar.
Quero a forte cor
Grunhindo aos meus olhos, quão respeitoso é teu amendoado calor.
Quero você
E já disse e repito: seja lá como for.

sexta-feira, 10 de maio de 2013

No botequim

Puxei a cadeira e sentei-me. Vi uns olhares audaciosos remetendo a minha figura que soava um tanto singela para o lugar. Meu rosto pequeno e infantil acusaram minha pouca idade e minhas vestes, a meiguice. "Isso não é ambiente para uma moça...", pensariam os velhotes. Fiz sinal ao garçom e pedi-lhe uma cerveja. O zum-zum-zum dos homens de meia-idade tornaram-se incômodos; acendi um cigarro ao dizer explicitamente com as feições "Não estou aberta à diálogos!". Creio que entenderam o recado. A bebida chegou, coloquei o cigarro na outra mão e dei um bom gole, estava geladíssima, hidratou-me. Encostei-me na cadeira, esparramada, de pernas abertas e lixando-me para o que estavam vendo/pensando - estava na mesa mais discreta, afinal, ninguém teria ângulo para observar a cor de minha calcinha. Tudo o que eu vi foi você. Minha mente estava tão inerte em sua atmosfera, que meu olhar perdeu o foco, minha pele a sensibilidade e meus ouvidos ouviam com perfeição a sua voz... Voz essa que me falou em meio segundo o quanto era surreal estar ali comigo, mais uma vez. Gemi de saudade quando despertei. Dei mais um gole, mais uma tragada e tornei a fitar o vazio procurando sua presença; achei. Você debruçou sobre a mesa, tomou meu cigarro, tragou-o e soltou a fumaça pela boca, com a cabeça de lado... Você era tão bonito... Depois virou-se para mim com um sorriso no canto da boca - minha expressão certamente estava desconcertante - e disse-me o quanto eu era boba... "Você precisa parar de me imaginar assim, com tanta frequência..."; sua voz era emblemática, suave, apaixonante. Gemi, dessa vez num suspiro. Eu pensei em argumentar, pronunciar o quanto tudo aquilo era em vão, dizer-lhe que nada nesse mundo poderia me impedir de imagina-lo, mas pelo bastante que conheço de ambos, seria uma discussão sem ponto final, não quis gastar saliva, não assim... Puxei sua face para a minha, selei um beijo em sua boca, seus lábios estavam macios e gelados, devia ter tomado um gole da cerveja sem que eu percebesse... "Hummm...", pronunciei baixinho... Ele se afastou, sorriu, dessa vez como os velhotes: audacioso. Tremi... Entendi suas intenções imediatamente; provoquei balançando a cabeça em reprovação e sorrindo com a mesma audácia. Ele levantou-se e indicou que o seguisse, não me deixou espaço algum para relutâncias. Sorri mais, deixei o dinheiro na mesa, levantei-me apressada em alcança-lo, já estava bastante afastado do boteco. Virei para trás e os coroas encaravam-me assustados, eu parecia uma louca... Dei-lhes uma banana, feliz. Corri e alcancei-o, segurei sua mão e caminhamos no sereno; eu, você e minha imaginação...

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Juntinhos

Eu e você
Bem que podia ser...
Meu sujeito pertinho do teu.
Mas a conjunção aditiva,
Olha que inconveniente,
Cria um muro entre a gente!

Então faz assim:
Eu você
Pra ficar
Mais perto de mim.
Mesmo sem nexo,
Deixa assim.
A paixão, também
É bem assim.

Pensando bem,
Estou sendo tola.
Põe um "nós"
E eu sorrio a toa!

Mas, cá entre nós
Bom mesmo
Seria sem palavras.
Então deixa o silêncio falar
Que o restante
Há de chegar.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Levanta e corre

De pijama, Maria levanta-se da cama com preguiça, com a intenção de atender a sua necessidade de olhar a manhã surgir. São 5:30 da manhã no sítio, o galo já cantou e a garoa cessou. Com mazela, arrasta-se até a varanda, senta no chão frio de cimento e encara o verde do capim molhado. O teto forrado apenas por telha dá espaço para alguns pingos d'água gotejarem em sua cabeça que se volta para o alto... Maria encara o telhado procurando pela abertura por onde a água cai, está bem acima de sua cabeça. Não, ela não se irrita, permite que as gotas molhem seu rosto, lubrifiquem sua visão e provoquem arrepios gelados. Maria torna a fitar o horizonte, o sol nascer e a grama reluzir. Se encanta... O vento a envolve junto aos primeiros raios de calor, sua pupila se encolhe, deixa espaço para a íris esbanjar seu marrom, seus pelos se eriçam não pelo tempo lá fora, mas o tempo dentro de si. Maria constata que o tempo passa, rápido, demais. Inquieta-se; não quer perder tempo, sequer pensando nisso. Sente um anseio tremendo de correr com tal velocidade que a fizesse se sentir flutuando acima do vasto verde. Se põe ereta, rígida, aperta a mão em punho, convencendo a si mesma de que é loucura saciar sua vontade. Contrai mais a mão e sente a unha perfurar sua palma, tenta fincar os pés no chão. Imóvel, assim fica por uns minutos, sempre fitando o horizonte. Maria sente duas forças: uma a empurra para a vida, o mundo, outra a contém, puxa para baixo, mantém seus pés mórbidos. "O medo puxa para baixo.", pensou. Ela decide arriscar, se aventurar, se permitir vivenciar o desconhecido... Abre as mãos que respiram aliviadas, o sangue volta a circular e num súbito, seus pés se desconectam do chão, vibram ao sentir a grama ainda úmida, o corpo responde com a sensação de choque. Maria corre, sente a brisa puxando seus fios para trás, a resistência é tremenda, contudo insignificante. Maria está determinada, como nunca antes. A sensação de vida a penetra, ela renasce, acorda e enxerga... Nada fala, nem ofegante é sua respiração, apenas exala sua essência que atravessa o mundo de seus poros, deixa seu rastro no mato, na terra e no ar. Maria percorre metros e apesar de seu corpo relutar, a sensação é descomunal, torna-se vício. Ela não para... Até que tropeça, choca-se contra o solo, seu punho, que por reflexo amorteceu a queda, sente o impacto; Maria franze a testa em sinal de dor, em seguida se põe a rir. Aquilo era patético! A menina, aos seus 16 anos, delicia-se ao sentir pela primeira vez a grama pinicando seus membros... A água e a terra misturavam-se como perfume à sua pele, que se lambuzava cada vez mais. O sorriso se expande. A chuva torna a cair e a menina, relaxa de tal maneira que, dorme serena em meio ao nada de verde vivo.

sábado, 20 de abril de 2013

WC

E lá estava eu, mais um dia, mais um... Naquela morbidez, estático, quase crucificado na placa. Tudo o que eu conhecia do mundo estava a minha frente. Era assim, sempre 180 graus. Hora ou outra, quando abriam a porta, dava para ver o mundo além do meu corredor; ficava de frente para o espelho retangular do banheiro e por reflexo enxergava minha trás composta de um extenso mictório. Mas não era pelo banheiro que meus olhos se atraiam... Minha felicidade (e frustração) era olhar minha frente, quando a porta estava fechada. Não sei se estava sempre a cochilar, mas sua face inexpressiva me desanimava. Não dava para discernir seu olhar, eu mal o enxergava. Seu vestido de triangulo me atormentava - Que curvas haveriam ali???!!! Era impossível saber! - O que ela pensava de mim? Teria razão de ser sempre tão discreta? Esse ar misterioso, seria medo ou jeito? Todas aquelas perguntas me assombravam dia e noite, mesmo no vai-e-vem da porta. Ela era tão semelhante a mim, tão ''eu''... E mesmo sem nunca ter lhe tocado ou trocado meia palavra, tinha convicção disso. Tentei, como todos os dias passados, me sair dali, daquela placa de mármore gélida, que me guardava e oprimia. Eu queria sair!! "Alguém me tira daqui!!!" gritei até sufocar, mas nem as madames, nem os rapazes me atendiam; sequer as crianças - essas eram agora, inteligentes demais para me encarar na dúvida de ser a porta correta a entrar. Eu lutava para me desgrudar daquilo, aproveitava o impulso de quando a porta abria para fazer algum tipo de pressão sob a placa e me libertar, mas era em vão, aquele troço tinha com exatidão as minhas medidas. Resolvi gritar a fim de que ela me ouvisse, mas nenhuma reação obtive. Eu estava obcecado por aquela figura singela, eu queria enxergar em meio a neblina, queria desvenda-la... Ah se ela deixasse, ah se minha placa também o fizesse!! Com os dias, murchei, desanimei, minha face também adquiriu inexpressividade, eu morria a cada dia sem tê-la em meus braços. Num estalo constatei: ela também havia amado outro, talvez meu antecessor... Seria ela também, daqui algum tempo, trocada? Já se via suas falhas nos contornos e seu mármore quebrado nas quinas. Não suportaria tamanha perda, eu findaria.
- O boneco se pôs a chorar... E assim acontecia o amor no estreito espaço entre duas portas.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Ao final da tarde

O sol já vai... Abro a janela da sala para contemplar tal despedida. Pensei em muitas coisas, mas no fim das contas nada concluí. A cigarra canta, de início é gostoso ouvir sua canção repetitiva, só de início; alguns instantes depois, irrito-me. O cantarolar da cigarra me faz lembrar de outras tardes... De outras despedidas do sol... Que esse meu hábito ocorria em outra janela... A imagem daquela janela se formou em minha mente. Lembro-me das boas tragadas que ali dei. Inclinava-me e fazia dos cotovelos um suporte para os ombros e a cabeça; fumava, sentia a paz penetrando meus pulmões, ressecando a garganta que a pouco soluçava... Que torpor! - O vício tapa os buracos do coração. - Hoje o meu vizinho não ligou o som. Soou um bocado abobalhada essa constatação, mas não era. Pois naquelas tardes, a rádio sempre estava em sintonia e azucrinava a todos do prédio. O barulho e a fúria dos moradores com o 103 dava vida e movimento ao dia, me lembrava que apesar de só, tinha gente ao meu redor. Haviam 2 meses exatos que não dava uma boa tragada, abandonei o cigarro por questões médicas. Mas, um bom viciado só troca de vício. É um mal eterno, aceite. Quando dei por mim, a cigarra já silenciara e o sol havia partido, estava escuro, não breu, mas já era momento de desconfiança e passo acelerado, ao menos aqui nas redondezas. Olho o relógio e vejo que é mais cedo do que o céu parece; lembro-me do solstício de inverno e tudo faz sentido. Sinto-me exausta, não sei a razão, mas honestamente? Exatamente isso que me cansa: a falta de razão. Decido cochilar, mas acabo por me afogar na cama em meio as lagrimas, asfixiar por entre as angustias e morrer ao fechar os olhos e sonhar. - Seria bem melhor se eu ainda fumasse. Lembrarei-me de dizer isso ao doutor, logo que acordar.

terça-feira, 26 de março de 2013

E se

E se eu morresse,
Agora,
Você se afetaria,
Respiraria por mim?
Que falta eu faria?
Faria?

E se meu humor,
E meu cheiro,
Minha voz,
Meu amor,
Queres:
Destema,
-Bandeira branca...

É a minha mão,
Só a minha,
Que você quer?
Pois pegue-a.
Pega, e não solta.

Suas mãos tem de ser minhas,
Só minhas.
Teus lábios,
Tocarão somente os meus.
Sua pele,
Roçará só na minha.
Meu calor,
Será todo seu
E vice-versa.

E se eu sumir,
Não morrer,
Não indignar-me,
Nem lamentar,
Ou revidar,
Deixar de me amar,
Você me amaria
Por mim?

E se meu choro abafar,
Meu suor cair,
Minha perna bambear,
E não mais sorrir;
Serias feliz
Sem mim?

E se eu não fraquejar,
Lágrima alguma derramar,
E cada vez mais me fortificar,
Que dose quererias
De mim?

E se...?
Esquece.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Ninar

Quero parar o relógio
Voltar o ponteiro...
E roda-lo, roda-lo, roda-lo
Até o tempo que me aconchegava no colo materno
Feito criança frágil
Que ainda sou.

Vou estagnar a vida
-Que vida!?
Pergunta minh'alma gritante.
Não posso;
A senhora do tempo há de existir
Mas não a sou.

Quero me deliciar
No dengo inocente
De quem nem se entende por gente
E chora de birra
Puro drama
Afim de atenção.

Quero carícia,
Beijo na testa,
Mãos quentes
Acariciando os fios de meu cabelo;
Que gostoso
Seria amar de novo.

Quero ouvir:
"É apenas uma criança..."
E me isentar dos erros
Imaturos
De adulto.

Não aguento o ritmo
Não puxo o tranco,
Morrerei por isso?
Me perdoe oh pátria
E mãe.

Cansei de crescer
Correr
Lutar
Chorar
Cair
Levantar.
Quero parar!!!!

Eu paro:
Se não a vida
A poesia.
...parei.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Jorrar

   Era sombria a visão... Tudo cinza; nem branco ou preto, sem contrastes, sem diversidade, variações de intensidade, nada. Era gélido, fúnebre, não estável, mas mórbido. As pessoas sorriam, tagarelavam, gritavam, mas soava oco, vazio, incoerente. As cenas perdiam a expressão, nem triste, nem alegre, apenas aconteciam. Não sentia-me bem, ou mal; não sentia. Os vocábulos eram insignificantes e o falar, confuso. Tudo se movia ao meu redor, transpirava, respirava, ecoava e eu, desfocada.
   Correria, stress, precipitação, emoção, cansaço, energia, vida, morte, admiração e antipatia... Tudo tão monótono, sonolento, irrelevante. Sol, calor, mormaço, secura... Até que choveu. Começou a cair gotas d'água como numa chuva rápida que... se intensificou e mais e mais e mais... Chove, umedece, lamacenta, molha, lava, alivia... Junto da chuva veio o frio, a paz e o silêncio. A calma que para uns é lentidão, a sabedoria que soa perda de tempo e o vazio que se preencheu; se preencheu de lágrimas. Na verdade, escoou. E enquanto chovia, o céu ficava azul, o sol alaranjado, as nuvens sumiam, os pássaros cantavam e os alarmes silenciavam. As pessoas calavam-se, relaxavam, viviam - de verdade.
  A nitidez se fez presente, o sentido se fez entender, o mundo gritou vida, cor e estabilidade. A minha última lágrima caiu e então pude enxergar o mundo, de fato. Não choveu, eu chovi. Assim descobri o alivio da maturidade...

domingo, 10 de março de 2013

Ainda

Eis que ainda pulsa, ainda bate, ainda clama, ainda chora, ainda sente...
Ainda...
Pois está aqui guardado
Evidenciado
Na fração do meu olhar
Na razão do meu viver - que razão?
Na pele nua, seca, marcada, crua
Ainda tem rachadura
Do zelo, do calor
Do medo e do tremor.
Mas é tempo, só tempo... Ainda.
Ainda bem.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Namorando a morte

Era imensa a vontade que eu tinha de me jogar, mas algo me prendia, talvez a sanidade - a pouca que me restou; era esse o diagnóstico do meu psiquiatra. Estava na ponta do pé na quina de um precipício. Excitante tanto quanto ver uma fonte jorrar água na imensidão do deserto, contudo sem poder toca-la, apenas visualizar. Estava entusiasmada com a ideia de me atirar nos braços do ar e só, e ponto. A liberdade que aquilo deveria proporcionar, ninguém teria tempo de explicar - literalmente. Eu suava frio, era meu organismo, meus sinais humanos do que o cérebro planejava fazer, era meu alerta vermelho e meu instinto de sobrevivência gritando para meus músculos que não se mexessem um centímetro a mais ou ''game over''. Eu queria chegar ao fim da linha! Seria tão mais fácil lidar com a morte se a gente quisesse morrer... E eu queria! Quer dizer, não morrer, mas provar do sabor que aquele ato inconsequente poderia me dar e se eu tivesse de pagar com a vida - ou com a perda dela -, isso pouco me importava! Afinal, já estava abusada do ''tic-tac'' sempre presente em minha rotina ou até na fuga dela! Apurei meus ouvidos, meus sentidos, fechei os olhos, esvaziei a mente e desliguei meus instintos de salvação; estava disposta a deixar fluir e fazer acontecer o que desse na telha. Ouvi o vento soprar agudo, zunia em meus ouvidos e isso não me irritava, soava uma melodia; era a Mãe se comunicando. Senti a brisa acariciar minha face ao mesmo tempo em que a castigava com chicotadas dos meus cabelos, minhas mechas estavam dançando e era gostosa a sensação de frescor tomando conta do couro cabeludo. Resolvi abrir os olhos, queria ver o prazer que a visão podia me dar, experimentar ao máximo a experiência de estar à beira de um precipício. Estava disposta a saborear o torpor máximo daquilo. Eu via as rochas ao fundo e a neblina acobertando alguns galhos secos de árvore, não tinha sequer um pássaro no céu, nem sinal do sol, apenas o céu azul tinindo e pouquíssimas nuvens se faziam aparecer, a maioria devia estar ao sul, lá o tempo costumava ser chuvoso. Não se via qualquer sinal de vida animal ou murmúrio. Ouvia-se o barulho de água chocando contra a terra, mas não vinham do mar debaixo de mim, devia haver alguma cachoeira aos arredores e isso me tranquilizava - que paz, que serenidade; aposto como o mundo seria mais feliz se todos os homens pudessem experimentar disso ao menos uma vez em suas vidas! Sei que parece loucura - que ironia eu dizer isso! -, mas eu estava cada vez mais convencida de que queria me atirar ali! O abismo me atraía, não pelas consequências de me jogar, mas pelas sensações. Era isso, eu queria sentir a morte me dominar e, pior, o prazer que ela me traria! Eu poderia chorar, rir, gritar, xingar; a decisão era minha e o fim já era certo - não me traria consequência alguma. Antes, resolvi me despedir mentalmente - óbvio que eu sabia que traria dor e relutância, mas eu era louca, não insensível - de meus pais, já vividos, mas que nunca viveriam isso, e que deram duro para me educar mas no fim: tanto trabalho para um suicídio. Minha filha, sofreria sem mim mas, uma hora ia ter de lidar com isso, agora ou amanhã não fazia diferença e ela já estava engajada no trabalho e no futuro marido... Meu esposo, já havia ultrapassado esse horizonte, mas me apeguei a lembrança de quando eramos maciços e joviais, tempo bom... Nos casamos cedo, como de costume na cidade pequena que vivemos e isso não nos atrapalhou, rendeu histórias peculiares. Meus amigos, não me despedi um a um, mas me recordei das gargalhadas e problemas habituais de inter-relações; era gostoso ter de lidar com gente, principalmente gente íntima. Lembrei de mim, de minha educação e criação, infância, adolescência - a melhor fase - e de quando abri as portas ao mundo adulto e pensei que sequer viveria para fechar essa porta; é, eu tinha 47. Pensei em como lembrariam de mim: a louca inconsequente que não soube lidar com a depressão após a morte do marido; ''pobre coitada'' seria meu novo referencial, aposto! Pobres coitados, não sabiam o êxtase que eu estava vivenciando, pouco a pouco. Despedi-me de tudo, inclusive de mim; me acariciei por um tempo, senti minha pele roçando em mim mesma, era gostoso se dar o prazer do próprio toque, eu me amava, me entendia, como jamais alguém haveria de fazer! Inclinei-me para frente, sem perder o equilíbrio - ainda dava para tirar proveito da situação. Pulei, antes tendo o cuidado inútil de tomar impulso com as mãos no chão; eu estava caindo, mas me senti flutuando... Não sei quanto tempo durou a queda, sequer estimo isso, nunca fui boa com cronometragem; sei só que foi gostoso, aliás, eu nem me lembrei de que estava prestes a morrer. A brisa era tão forte que chegava a quase abrir minhas pálpebras, mas não permiti, pois aquilo seria loucura até para mim. O agudo do vento era ainda mais forte e senti o mesmo retirando os grãos de terra que ainda restavam em minhas mãos; daí pensei que a melhor coisa que já nasceu da terra foi gente e então tudo escureceu...