segunda-feira, 29 de abril de 2013

Juntinhos

Eu e você
Bem que podia ser...
Meu sujeito pertinho do teu.
Mas a conjunção aditiva,
Olha que inconveniente,
Cria um muro entre a gente!

Então faz assim:
Eu você
Pra ficar
Mais perto de mim.
Mesmo sem nexo,
Deixa assim.
A paixão, também
É bem assim.

Pensando bem,
Estou sendo tola.
Põe um "nós"
E eu sorrio a toa!

Mas, cá entre nós
Bom mesmo
Seria sem palavras.
Então deixa o silêncio falar
Que o restante
Há de chegar.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Levanta e corre

De pijama, Maria levanta-se da cama com preguiça, com a intenção de atender a sua necessidade de olhar a manhã surgir. São 5:30 da manhã no sítio, o galo já cantou e a garoa cessou. Com mazela, arrasta-se até a varanda, senta no chão frio de cimento e encara o verde do capim molhado. O teto forrado apenas por telha dá espaço para alguns pingos d'água gotejarem em sua cabeça que se volta para o alto... Maria encara o telhado procurando pela abertura por onde a água cai, está bem acima de sua cabeça. Não, ela não se irrita, permite que as gotas molhem seu rosto, lubrifiquem sua visão e provoquem arrepios gelados. Maria torna a fitar o horizonte, o sol nascer e a grama reluzir. Se encanta... O vento a envolve junto aos primeiros raios de calor, sua pupila se encolhe, deixa espaço para a íris esbanjar seu marrom, seus pelos se eriçam não pelo tempo lá fora, mas o tempo dentro de si. Maria constata que o tempo passa, rápido, demais. Inquieta-se; não quer perder tempo, sequer pensando nisso. Sente um anseio tremendo de correr com tal velocidade que a fizesse se sentir flutuando acima do vasto verde. Se põe ereta, rígida, aperta a mão em punho, convencendo a si mesma de que é loucura saciar sua vontade. Contrai mais a mão e sente a unha perfurar sua palma, tenta fincar os pés no chão. Imóvel, assim fica por uns minutos, sempre fitando o horizonte. Maria sente duas forças: uma a empurra para a vida, o mundo, outra a contém, puxa para baixo, mantém seus pés mórbidos. "O medo puxa para baixo.", pensou. Ela decide arriscar, se aventurar, se permitir vivenciar o desconhecido... Abre as mãos que respiram aliviadas, o sangue volta a circular e num súbito, seus pés se desconectam do chão, vibram ao sentir a grama ainda úmida, o corpo responde com a sensação de choque. Maria corre, sente a brisa puxando seus fios para trás, a resistência é tremenda, contudo insignificante. Maria está determinada, como nunca antes. A sensação de vida a penetra, ela renasce, acorda e enxerga... Nada fala, nem ofegante é sua respiração, apenas exala sua essência que atravessa o mundo de seus poros, deixa seu rastro no mato, na terra e no ar. Maria percorre metros e apesar de seu corpo relutar, a sensação é descomunal, torna-se vício. Ela não para... Até que tropeça, choca-se contra o solo, seu punho, que por reflexo amorteceu a queda, sente o impacto; Maria franze a testa em sinal de dor, em seguida se põe a rir. Aquilo era patético! A menina, aos seus 16 anos, delicia-se ao sentir pela primeira vez a grama pinicando seus membros... A água e a terra misturavam-se como perfume à sua pele, que se lambuzava cada vez mais. O sorriso se expande. A chuva torna a cair e a menina, relaxa de tal maneira que, dorme serena em meio ao nada de verde vivo.

sábado, 20 de abril de 2013

WC

E lá estava eu, mais um dia, mais um... Naquela morbidez, estático, quase crucificado na placa. Tudo o que eu conhecia do mundo estava a minha frente. Era assim, sempre 180 graus. Hora ou outra, quando abriam a porta, dava para ver o mundo além do meu corredor; ficava de frente para o espelho retangular do banheiro e por reflexo enxergava minha trás composta de um extenso mictório. Mas não era pelo banheiro que meus olhos se atraiam... Minha felicidade (e frustração) era olhar minha frente, quando a porta estava fechada. Não sei se estava sempre a cochilar, mas sua face inexpressiva me desanimava. Não dava para discernir seu olhar, eu mal o enxergava. Seu vestido de triangulo me atormentava - Que curvas haveriam ali???!!! Era impossível saber! - O que ela pensava de mim? Teria razão de ser sempre tão discreta? Esse ar misterioso, seria medo ou jeito? Todas aquelas perguntas me assombravam dia e noite, mesmo no vai-e-vem da porta. Ela era tão semelhante a mim, tão ''eu''... E mesmo sem nunca ter lhe tocado ou trocado meia palavra, tinha convicção disso. Tentei, como todos os dias passados, me sair dali, daquela placa de mármore gélida, que me guardava e oprimia. Eu queria sair!! "Alguém me tira daqui!!!" gritei até sufocar, mas nem as madames, nem os rapazes me atendiam; sequer as crianças - essas eram agora, inteligentes demais para me encarar na dúvida de ser a porta correta a entrar. Eu lutava para me desgrudar daquilo, aproveitava o impulso de quando a porta abria para fazer algum tipo de pressão sob a placa e me libertar, mas era em vão, aquele troço tinha com exatidão as minhas medidas. Resolvi gritar a fim de que ela me ouvisse, mas nenhuma reação obtive. Eu estava obcecado por aquela figura singela, eu queria enxergar em meio a neblina, queria desvenda-la... Ah se ela deixasse, ah se minha placa também o fizesse!! Com os dias, murchei, desanimei, minha face também adquiriu inexpressividade, eu morria a cada dia sem tê-la em meus braços. Num estalo constatei: ela também havia amado outro, talvez meu antecessor... Seria ela também, daqui algum tempo, trocada? Já se via suas falhas nos contornos e seu mármore quebrado nas quinas. Não suportaria tamanha perda, eu findaria.
- O boneco se pôs a chorar... E assim acontecia o amor no estreito espaço entre duas portas.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Ao final da tarde

O sol já vai... Abro a janela da sala para contemplar tal despedida. Pensei em muitas coisas, mas no fim das contas nada concluí. A cigarra canta, de início é gostoso ouvir sua canção repetitiva, só de início; alguns instantes depois, irrito-me. O cantarolar da cigarra me faz lembrar de outras tardes... De outras despedidas do sol... Que esse meu hábito ocorria em outra janela... A imagem daquela janela se formou em minha mente. Lembro-me das boas tragadas que ali dei. Inclinava-me e fazia dos cotovelos um suporte para os ombros e a cabeça; fumava, sentia a paz penetrando meus pulmões, ressecando a garganta que a pouco soluçava... Que torpor! - O vício tapa os buracos do coração. - Hoje o meu vizinho não ligou o som. Soou um bocado abobalhada essa constatação, mas não era. Pois naquelas tardes, a rádio sempre estava em sintonia e azucrinava a todos do prédio. O barulho e a fúria dos moradores com o 103 dava vida e movimento ao dia, me lembrava que apesar de só, tinha gente ao meu redor. Haviam 2 meses exatos que não dava uma boa tragada, abandonei o cigarro por questões médicas. Mas, um bom viciado só troca de vício. É um mal eterno, aceite. Quando dei por mim, a cigarra já silenciara e o sol havia partido, estava escuro, não breu, mas já era momento de desconfiança e passo acelerado, ao menos aqui nas redondezas. Olho o relógio e vejo que é mais cedo do que o céu parece; lembro-me do solstício de inverno e tudo faz sentido. Sinto-me exausta, não sei a razão, mas honestamente? Exatamente isso que me cansa: a falta de razão. Decido cochilar, mas acabo por me afogar na cama em meio as lagrimas, asfixiar por entre as angustias e morrer ao fechar os olhos e sonhar. - Seria bem melhor se eu ainda fumasse. Lembrarei-me de dizer isso ao doutor, logo que acordar.