quinta-feira, 27 de junho de 2013

Verbos; no pretérito imperfeito

  A menina não tinha idade para ser chamada assim, mas eu, quem vos escrevo, chamo. Ela estava sentada, no canto do jardim... Você, leitor, poderia imaginar que a morte se dissiparia num jardim? Por entre alguns poucos arbustos, no canto mais discreto, escondido e maltratado do imenso jardim. Um simples, mas atraente jardim. Jardim, jardim... Jar-dim... A menina gostava dessa palavra, lhe transmitia paz. Paz... Esquisito... A grama pinicava, seu short deixava metade da coxa de fora e podia sentir as formigas escalando suas pernas, algumas mais audaciosas mordiam e faziam a coitada se agoniar de tanta coceira. Maldade! Irritada, a garota debatia-se e esmagava satisfeita formiga por formiga que ousasse caminhar em seu corpo! ''Arrgh'' grunhia... Depois de mais calma, a menina passeava a mão na grama, era gostoso sentir cócegas na palma. O passear das mãos ganhou velocidade e força, agora tentava arrancar do chão cada mato que tinha ali, a cócega transformou-se em arranhão e gostava da dor, não por ser masoquista, mas por admitir que vez ou outra sentia desejo de dor para justificar a raiva que havia dentro de si, arrastava a terra, formava um buraco circular à sua volta, como dois parênteses e ela no meio. Sentiu-se afundando... Como se cavasse sua cova... E não era isso mesmo? Em anos - uma vida, diria - era só isso que tinha feito: cavar a própria cova. Era melancólica a cena, narrá-la então, é ainda pior! Mas nada é mais angustiante que estar ali, no buraco. E quando digo-lhe buraco, não me refiro ao local, mas ao estado de espírito, de alma, de mente, de pele, de tudo. Ela tinha muitos... E tentava tapá-los com peças que não encaixavam. Era mirabolante! A menina, sentia as peças saírem, aquelas peças que ela tanto arquitetou e moldou para que de alguma forma dessem para o gasto... As peças caíram no chão e agora ela vazava. Sua alma fugia, suas lágrimas eram sangue, sua visão se embaçava em meio ao vermelho, seu coração acelerava e doía... A menina gritava, assustada, endemoniada talvez, mas gritava desesperada, um agudo de vogais que se variavam em meio aos acentos. ''Aaaaar... Ãããã... Ó.. Óóór... Aaaaah... Uuhrr...Aar... ''. Esforçava-se em respirar, seus olhos reviravam de tamanha dor, mas gostava. Sabia que, em pouco findaria. Era aliviante a ideia de morrer. Em meio a toda confusão de seus movimentos, bateu o punho no espinho de uma roseira pequena e murcha que estava à sua trás esquerda e viu mais sangue, dessa vez pingava pouco a pouco, até criar uma pequena poça no chão e estancar-se a ferida. Não contentou-se! Se pôs a cortar-se nos espinhos que a natureza lhe proporcionara, ferir-se - já era habituada a tal procedimento - e sangrar mais. Batia com força nos galhos espinhentos, a dor tinia e a energia se esgotara... Desmaiou... Estava alí, estendida e desacordada, suja de sangue e terra, suada, abatida e entre parênteses.

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